Wednesday, April 2, 2008

Jogos Intemporais

Um Jogo de Alquerque no quotidiano da Praça de Almeida e os Jogos do Moinho em Castelo Mendo

Castelo Mendo, Jogo do Moinho (58X40cm), época medieval. Jogo inscrito numa pedra encontrada na Devesa, exterior da cerca.
Castelo Mendo, Jogo do Moinho (58X40cm), época medieval. Jogo inscrito numa pedra encontrada na Devesa, exterior da cerca.
“Há jogos inerentes aos estádios evolutivos, aos ciclos sociais, aos sexos, às actividades e sectores tradicionais, jogos intemporais que se perpetuam local e regionalmente, que por razões culturais se prolongam no colectivo atravessado os limites geográficos da criação”.
As actividades lúdicas sempre foram praticadas pelo ser humano, motivo pelo qual vemos inúmeros vestígios disseminados pelo espaço humanizado. É certo que na actualidade há uma especificidade tecnológica que nos faz esquecer que, no passado recente, as actividades lúdicas desenvolvidas representavam a modernidade conceitual do lazer. É nesse contexto que a cultura ancestral de intercâmbio lúdico entre dois seres humanos se desenvolve, desde a mais tenra idade até ser adulto.
Há jogos inerenteS aos estádios evolutivos, aos ciclos sociais, aos sexos, às actividades e sectores tradicionais, jogos intemporais que se perpetuam local e regionalmente, que por razões culturais se prolongam no colectivo atravessado os limites geográficos da criação, ou outros que crescem e desenvolvem, mas também perecem de forma efémera, dos quais o rasto se diluiu na poeira da Humanidade. Por vezes há actividades lúdicas que surgem num determinado local, por mero acaso, fruto de um sem número de factores, sem sabermos os motivos das suas funções ou razão de ser.
No início começam por ser estranhas ao meio, passando a inovadoras de tal forma que rapidamente se enraízam no seio local, abraçadas como se tradicionais fossem e sem memória da sua existência ancestral. Perduram por vontade própria da sociedade que as pratica, por prazer ou negócio, lícito ou ilícito, mais por encanto, mais por um passatempo que os ajude a desbravar o seu ócio temporal.
É precisamente sob esse aspecto que vamos analisar a existência de dois tabuleiros do jogo do alquerque no quotidiano da Praça militarizada de Almeida e de dois jogos do moinho existente num monólito e num afloramento em Castelo Mendo.
Foi por volta de 1994 que encontrei os jogos do alquerque na Sala da Guarda, lateral esquerdo das Portas interiores de Santo António, no reduto fortificado da Praça de Almeida. Estão incisos no chão e no banco conversadeira do designado Quarto do Sargento da Guarda. O jogo em causa está integrado no grupo dos jogos de interior e foi, sem dúvida alguma, praticado por quem tinha acesso ao local; isto é, os militares que se encontravam na Praça ou, e quanto a nós, pelos presos políticos que aí se encontravam no período designado de Guerras Civis liberais (1832-1834). Durante esses fatídicos anos alguns dos equipamentos militares, da Praça de Almeida, foram utilizados como prisões políticas prendendo-se um conjunto de presos que divergiam ideologicamente do regime vigente, de cariz absolutista.
Nos outros espaços destinados a prisões e a quartéis não encontramos mais nenhum testemunho destinado ao lúdico, sendo, até ao presente, os dois tabuleiros do jogo do alquerque os únicos exemplares.
Os jogos apresentam-se integrados na tipologia do jogo do alquerque dos doze, e tem as seguintes características:
Descrição – jogo completo, o tabuleiro é composto por um rectângulo de onde saem duas asas, ou aletas, onde o jogador colava as suas pedras para iniciar o jogo. Cronologicamente situamos os tabuleiros no séc. XIX. Matéria – inscrição em granito.
Exemplares deste jogo localizam-se, na Fonte das Bicas e na Igreja de Nossa Sr.ª do Soveral, em Borba, na Domus Municipalis, em Bragança, no Paço de D. Dinis, em Estremoz, para além de outras localidades, quer em Portugal quer em Espanha.
Também em Castelo Mendo encontramos dois tabuleiros lúdicos incisos num afloramento granítico e num monólito, e que representam o Jogo do Moinho.
O mais antigo é o que se localiza no afloramento, na antiga cerca medieval de D. Sancho, bem perto da igreja de Stª Maria do Castelo. Já apresenta sinais de muito desgaste, pois está em local de passagem, sendo apenas visível os quadrados laterais direito. A informação foi-nos fornecida por Rosa Martinho Ramos, em Setembro de 2006, quando fotografávamos o outro tabuleiro existente na povoação.
O jogo apresenta, na sua origem, três quadrados inscritos que apresentam, em cada um dos lados, um traço perpendicular e não ultrapassa os limites, interior e exterior, dos rectângulos.
Apontamos a sua cronologia para um período medieval, encontrando-se inciso num afloramento granítico. Há diversos exemplos em território peninsular, considerando este tabuleiro bastante simples e sem qualquer particularidade.
O outro tabuleiro do jogo do moinho foi encontrado fora da cerca medieval, no lugar chamado da Devesa e foi transferido, por mim e por Américo Morgado, para a porta do Museu Local em 1999, quando desenvolvi o referido projecto museológico como salvaguarda da memória local, no âmbito da medida de salvaguarda e protecção, pois já estava descontextualizado do seu local de origem. O tabuleiro está completo.
Encontramos um tabuleiro do jogo do moinho com as mesmas características do de Castelo Mendo na Vidigueira, com uma concavidade no centro do tabuleiro, apesar dos materiais serem completamente diferentes, pois o da Beira é inscrito em granito e o do Alentejo é em argila, podendo este ser um tabuleiro de transporte, tal como se deduz pelas reduzidas dimensões do mesmo (12X8.5cm).
No contexto regional encontramos um jogo do moinho em Longroiva, proveniente do interior do castelo, e referenciado no imprescindível catálogo Pedras que Jogam.

No comments:

Post a Comment